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Cem anos depois do Regicídio

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Mensagem por JornalExtra-Online Qui 12 Jun 2008 - 14:39




O Conselho de Estado volta a reunir.
Estão presentes as duas rainhas a princesa de Orleans
agora rainha viúva e Maria sua sogra.
José Luciano e Júlio de Vilhena pronunciam-se .

O novo rei , D.Manuel II é proclamado .
Ainda estão “frescos” os mortos reais e faz-se a primeira trasladação
durante a noite enquanto os regicidas repousam na morgue.
No Paço e na rua a revolta sobe e
ganha forma em torno de um fado estranho.



Cem anos depois do Regicídio Palaci10
Palácio das Necessidades

Cem anos depois do Regicídio _filip10
D. Manuel II e a Rainha D. Amélia



Na grande sala de talha dourada, no palácio das Necessidades, em 2 de Fevereiro de 1908, reunia o Conselho de Estado.

Dera-se na véspera, ao descer da tarde, a tragédia.

Falava-se a meia voz, os sons abafavam-se sob os altos tectos, na meia-luz do dia. Vinham de fora ruídos de passos de sentinelas e da vasta sala da Tocha tinidos d’armas, de hastes de lanças, descansando, rangidos de sapatos d’archeiros, até que, de quarto em quarto de hora, tudo aquilo era perturbado pelo tangido do sino na capela, pelo ribombo das salvas fúnebres.

Pontas d’árvores reverdeciam no largo tristonho transformado em acampamento com os seus sarilh9os d’espingardas, com os tropéis de rondas e ordenanças; carruagens paravam, estalos vibrantes de portinholas se ouviam e depois tudo caia no silencio vago diante da fachada onde o pavilhão vermelho, a meio do pau, dizia que mais uma vez a morte visitara aquele velho casarão evocador dos dramas da realeza, o palácio fatídico dos Braganças.

N’um ângulo da mesa a avó, a Rainha D. Maria Pia, era uma estranha ruína, Ela, que tão linda fôra, que tão Soberana se mostrara com o manto real pendente dos seus ombros marmóreos. Estava para ali com uma grande prega dolorosa nos lábios esmaecidos, fixando um ponto do tapete, a razão perdida por longe, por outros mundos.

No meio dos Conselheiros de Estado, a cabeça curvada, o Príncipe Real D. Afonso, calvo avelhentado, o grande bigode d’um louro a alvecer, ia escutando também a voz do sobrinho, que uma grande tragédia sagrara Rei.

Vestido na farda bordada, macilento, os olhos negros brilhantes de febre, o conselheiro João Franco, o ministro d’esse Rei que estava morto ao lado do filho, na sala próxima, parecia guardar uma esperança n’aquele conselho de políticos.

Dois dias antes era ainda o triunfador.

A sua voz nervosa, sacudida, vibrante, a miúdo irritada, ordenava e era obedecida, apesar da revolta latente que os bandos desencadeavam nas ruas e os partidos auxiliavam na sombra.

Agora era um vencido vivo, que ninguém desculpava, como nem ao Rei, ao vencido morto. Aquela reunião de conselheiros lembrava bem um conselho de guerra para o julgar.

Ali, entre os adversários, mal sentia o suplício e isso via-se ainda ao esperar que o deixassem no poder.

Com o critério transtornado da Nação ele era o culpado de tudo: daqueles cadáveres enregelando na sala vizinha, da viuvez d’uma Rainha, do maior tormento da vida d’outra, da orfandade do Rei, da atmosfera trágica que enchia o país de lado a lado, do levante de triunfos no campo revolucionário.

Estava porém, ali quem soubesse como tudo se passara e porque no fundo dos aposentos régios o Soberano, que se apoiara na sua energia, jazia no seu leito, sob a bandeira feita mortalha, enquanto de todos os lados os adversários d’ambos já vinham acorrendo a beijarem a mão do filho morto herdeiro do trono de Portugal.

Continuavam as salvas, dobravam sempre os sinos e de longe, com o tropel das rondas, chegavam pregões cantantes sob o céu baixo, dizendo da vida, sem perturbação, da capital.

Calara-se a voz do novo Rei e levantara-se a do conselheiro José Luciano de Castro. Era o mais antigo membro do Conselho; fora ministro de dois Reis, representava o mais unido e sólido partido da Monarquia e com a sua velhice, a sua invalidez para as lutas pessoais nas Câmaras e no governo não deixava de ser o mais avisado, o mais hábil, o mais arteiro dos políticos .

Evocava com horror a tragedia, tocava livremente no que dizia as suas causas e afirmava que todos os partidos deviam sacrificar-se naquela hora. Votava por um governo de concentração monárquica, no qual entrariam experimentados políticos, mas não os chefes d’esses partidários. Excluía-se do poder para servir o Rei. Desistia em primeiro lugar.

D’este modo se alijava João Franco, se afastava Júlio de Vilhena.

O chefe progressista, pela sua doença incapaz d’entrar no ministério criava assim um outro no qual interferiria.
Se todos os chefes tivessem juntado os seus esforços e entrassem de acordo no governo, diante d’aquela tremenda crise, muito se teria modificado a situação politica.

Ele que ao começo auxiliara o vencido de hoje, fora também seu adversário quando vira os princípios, como então dizia, a transmudarem-se.

Fora rija a batalha e de todo esse tumultuar de cóleras, de tropos, de condenações, de todo esse mistério das conjuras já nada restava senão aquele luto.

O chefe progressista era, pois, o primeiro a excluir-se do governo para servir o seu Rei.

Os outros ouviam-no, uns sonhando com uma vida nova, alguns cépticos, descrentes, deixando proceder o acaso, entregues à fatalidade.
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