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Depois do Regícidio: Franquistas, Nacionalistas e Dissidentes

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Mensagem por JornalExtra-Online Ter 3 Jun 2008 - 13:32

(Parte II do texto iniciado aqui)



Continuavam os sinos a tanger.

Pelos reis mortos; pela monarquia agonizante.

O novo rei fizera a sua proclamação ao país. Os cadáveres reais estavam embalsamados. Levara 16 horas aquela tarefa (um). Os particulares dos soberanos mortos tinham-nos amortalhado, ao dealbar da manhã. AMADEU Ruas e Teodoro Caria.

D. Carlos, vestido no seu uniforme de generalíssimo, com a banda das três Ordens e o Colar de Torre e Espada, estava ainda sobe o leito enquanto não se acabava a urna FUNERÁRIA; O PRÍNCIPE FADADO DE CAPITÃO DE LANCEIROS, já repousava no acolchoado de seda branca do seu caixão. Enegrecera a sua bela face de moço; na do rei havia ainda energia sob a amarelidão de pergaminho. Ali estavam lado a lado, pai e filho, um ocaso e uma aurora, ambos mergulhados no nada.

Em volta, velando, cheia de ouro as fardas estavam os generais, os dignitários, num fulgor de espadas, comendas e cordões, e no meio deles o velho almirante Capelo, com a sua glória de marinheiro e os olhos em pranto.

Na capela real martelava-se; os passos dos soldados soavam, de vez em vez, ouvia-se um tropel. Depois eram os capelães reais que vinham dizer as suas missas, a onda de luto, empenachada, rutila, que subia as escadarias para a sala da Tocha, onde o porteiro da cana, João Silva Ramos, e os reposteiros Fernando Teixeira, Frederico Alvim e Eduardo Sousa Gomes, viam dorsos dobrados, braços garatujando assinaturas nos livros, na sombra dos rases vastos, das armas do reino, molhando as penas nos grandes tinteiros de prata sobre os bufetes negros.

Mudos os cadáveres, alvo das honrarias de quem acima dos outros homens estivera, ante os respeitos e a pompa podia-se imaginar, tantas eram as homenagens, que lá em baixo havia uma cidade rebelada procurando vingá-los, depois de tanta gente se indignar, depois de tantos beijos nas suas mãos frias, outrora pejadas de poderio.


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No Museu Nacional dos Coches podem admirar-se carruagens, coches e liteiras
onde os personagens da Corte se deslocavam na cidade. Também a negra carruagem
onde D.Carlos se deslocava para os seus prazeres noctívagos pela cidade e onde
passeava com um filho bastardo.



Nada sucedera. A mesma vida de sempre; apenas mais gente de luto, mais guardas, em torno das necessidades, mais carruagens rodando a despejarem gente opulenta entre os archeiros, cujo velho cabo, Lucas Evangelista, chorava.

Viera com as suas vestes vermelhas o velho cardeal Netto, há pouco molestado com o rei; cobriam-se de telegramas e cartas as grandes salvas do guarda-jóias; dois pares do reino Anselmo Braamcamp e Augusto José da Cunha, passados para as fileiras republicanas, tinham vindo também de luto e ansiava-se por trégua, enquanto não desciam as tampas cristalinas das urnas funerárias.

Havia terror; falava-se muito em acalmação.

Lágrimas, comoções, dores havia-as entre os fiéis de sempre; criados velhos enchugavam o pranto debaixo das arcarias.

Topavam damas soluçando, dignitários de olhos vermelhos, mas o resto vinha ali cumprir um vago dever, desfilar, descer logo as escadas, saltar para os trens em busca dos lares, como quando há uma tempestade e se apetece o aconchego, ao abrigo das bátegas, das rajadas, da luz incandescente dos relâmpagos.

A tragédia da realeza parecia um desses turvos factos, à antiga, em que há o sopro da super humanidade; lembrava uma página de crónica barbara arrancada de algum velho livro e reaparecendo a dominar os espíritos ávidos de mergulhar na PAZ, nalgum canto distante, em que houvesse a vida normal com beijos e egoísmos.

Fixavam-se aqueles rostos mortos, cujos desejos de outrora se tinham perscrutado; ilhavam-se aqueles corpos Dante dos quais todos se tinham inclinado e partia-se a pensar nos que estavam agora já vitoriosos e iam colher o fruto de um crime.



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No fundo do seu quarto o rei esperava ainda os políticos que voltariam, crente que tudo se resolveria em torno da sua desgraça, e ele que jurara ser bom e fazer a felicidade do reino, acolhia-se já ao apoio daquela gente contrita, desejosa de vida nova como imaginava.



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A noite descia; havia 24 horas que não tinha pai nem irmão, que da sua descuidada vida de infante passara para aqueles encargos de rei.

Os políticos iam voltar. Ainda se tinham perdido o eco dos tiros já as combinações perturbavam os espíritos.



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João Franco, despedido, como ele dissera, saíra pelo baço de Vasconcellos Porto e aquilo que começara confiadamente o seu governo, falhava-lhe como uma sinistra aventura de lágrimas, de dores, de sangue, no final dos finais.

Daí a pouco chegava ao passo o indigitado presidente do conselho.

Baixo, atarracado, o rosto vermelhusco e papudo, branco bigode e a pequenina mosca, o ar de quem detesta a frugalidade e os ademanes, fardado de vice-almirante, aparecia como o sustentáculo do trono naquela hora.

Tinha fama de liberal; era o meio-termo entre a popularidade e a corte, evocava-se a sua rudeza de marinheiro e as noitadas de boémio à antiga. Andara outrora na Bartolomeu Dias com o avô desse rei, D. Manuel II, que ia servir alçado ao trono também por um luto tormentoso da sua dinastia.



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Batera-se em três combates; criara fama de enérgico nos comandos, governara com decisão e audácia, chegadas à violência, S. Tomé e Angola, a Índia e Moçamedes, onde mandara aplicar centenas de vergastadas em indígenas, saídos laivados de sangue e semi-mortos das mãos brutais dos executores.

Pudera, dois anos antes desta fase de político a que o chamavam, um ponto na revolta dos navios, que fora já um vislumbre republicano, e com essa tradição de brusco e pândego, com a sua aura de marinheiro e de rude, chegava, contente de si, à beira do trono.

Contava-se que os seus amigos mais chegados, uns roçavam pelo republicanismo, como Miguel Bombarda, outros deveres estavam nas hostes da revolução, como o comerciante Francisco Grandella, mas isso era ainda, aos olhos dos políticos, uma faceta da sua vida de noctívago no clube dos Makavenkos e não uma contaminação política. O clube dos Makavenkos situava-se debaixo do Teatro da Rua dos Condes, e era ponto obrigatório de reunião dos boémios endinheirados, políticos e foliões, a partilhar as “brejeirices” das mundanas lisboetas. Por ali passaram os mais notáveis homens da República em banquetes que mais tinham com o desregrado prazer do que com a política…



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Para o povo o novo chefe do governo era uma figura mais ou menos simpática; para o rei ele tinha a qualidade de vir dos votos do seu conselho de estado e de ter, na sua mocidade, passado por uma tragédia semelhante à que o pungia. Se uma qualidade o tornava querido à sua consciência, a outra fazia-o grato ao seu coração.

Seu pai, que fora também um ilustre oficial de marinha, companheiro do imperador D. Pedro, na Terceira e no Mindelo, um tudo-nada excêntrico, mas de uma bravura singular, caíra assassinado pelos chineses à porta do Cerco, em Macau.

Era essa tragédia que, naquela hora, devia aproximar o rei do seu ministro.

Também sofrera; saberia compreender a sua dor e os anseios do seu coração de filho.

Naquela sala, com o ruído das salvas, dos sinos cobrando, no rumor militar do largo, o presidente do conselho aceitava o encargo. O rei de luto, abraçava-o comovidamente, e, de joelhos aos pés dos ataúdes, a rainha recordaria a bondade com que o conselheiro lhe falara, o que gerara o seu aplauso naquela expansão de esperanças:

- Sim…o Amaral é muito meu amigo!..

Estavam mortos o rei e o filho; a dinastia tinha apenas como salvaguarda aquela criança, sagrada lei com jorros de sangue; o infante, sempre distanciado dos negócios, como filho segundo, envelhecido entre as suas ocupações militares e os desportos, e duas rainhas, já provadíssimas pelos sofrimentos dos seus. Agora chegava o arrimo daquele marinheiro que andara com o velho rei no mar e cujo pai também fora assassinado.



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Participaram no embalsamento do rei D. Carlos e seu filho príncipe D. Luís os médicos da Real Câmara D. António de Lencastre; Oliveira Feijão; Barros da Fonseca; Carlos Tavares; Artur Ravara; Azevedo Meireles e D. Tomás de Mello Breyner.

O Conselho Médico legal mandatou o conselheiro Silva Amado para assistir ao acto e redigir um relatório.

Ele trataria com os políticos e, num alento, imaginou-se que o tono ia salvar-se.




(Continua com a formação do novo ministério entre franquistas, nacionalistas e dissidentes)
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